quarta-feira, 19 de maio de 2010

HOMENAGEM A AGENOR COSTA

NA BELEZA DO INFINITO

Joaquim Eloy Santos

Lugar de artista é no Céu. Não tenho dúvida disso porque é o artista que ilumina a vida e floreia o sonho. Quando o artista é cantor de talento e caixa, a entrada no Céu é imediata e logo a confraria dos sonhadores idealistas vai crescendo e iluminando o firmamento.

Repórter sonhador, vi em filme do meu pensamento, a chegada do seresteiro Agenor Costa ao Céu. Presente sua irreverência, dialoga com São Pedro e faz questão de entrar em serenata. Abre a voz possante, diante do portão celestial, alertando o Guardião sobre sua chegada. O primeiro Papa, posto em sossego, assusta-se com o vozeirão, entreabre o portão e pede silêncio ao novo hóspede:

- Psiu... Mais baixo, Agenor! Assim você acorda o Céu inteiro! – São Pedro vem cheio de dedos.

- Santidade, se entrar calado, não sou o Agenor Costa! – o sorriso amplo fala pelo seresteiro.

- Acontece, seu Agenor, que o céu já tem artistas demais e todos querem mostrar suas habilidades... – São Pedro preocupado.

- Ora, Eminência Celeste, só entro no céu cantando, se cantei a vida inteira! – insiste o menestrel jovial.

- Certo, seu Agenor, mas desce o tom da voz – São Pedro decide, e pronto! Pronto nada!...

- Descer o quê, Apóstolo Guardião, minha voz é um trovão! – Agenor insiste: Só entro no céu cantando.

- E, senhor cantor, quem disse que o senhor irá entrar no Céu? – é bem claro o Guardião.

- Ué, São Pedro, pois não estou à porta do Céu!? – admira-se o cantor.

- Está, mas quem decide isso sou eu... E a porta do fogaréu é bem aqui ao lado – esclarece o primeiro Papa.

- Ah!, senhor Papa, sei que meu lugar é ai dentro, eu só trouxe felicidade, cantei as alegrias e tristezas e, até, enfeitei a morte de tanta gente com obras artísticas em mármore! – é enfático e claro o currículo do seresteiro.

- Sim, sim, seu lugar é no Céu para cantar e alegrar a monotonia do Paraíso Celeste! – argumenta São Pedro.

- Então, meu amigo, abra a porta que engreno uma seresta! – está disposto Agenor Costa para a nova platéia.

- Está bem, seresteiro e cantor maravilhoso, abra os peitos e entra! – o largo portão abre de par em par.

- Com licença, meu santo e vamos lá! – sorriso e garganta límpida, a seresta penetra no Céu, com vozeirão e tudo.

- Ai, meu Senhor Deus, quem segura o homem!? – diz o Guardião e entra cantando com Agenor.

- “Eu sonhei que tu estavas tão linda / numa festa de raro esplendor... – e lá vão os dois Céu adentro, enquanto todos os astros os seguem em coro celestial, cantando em serenata, a chegada de Agenor Costa na beleza do Infinito de Deus.

domingo, 2 de maio de 2010

MINHA HOMENAGEM AO CALAU.

Procurei idealizar um retrato do grande amigo, falecido no colapso do mês de abril de 2010.

Ainda

AQUELE QUE FICA


Joaquim Eloy Santos



Olha ai, Calau, em que prebenda você meteu a todos! E a Petrópolis! E à Cultura! Você sempre foi previsível dentro do imprevisível da vida. Agora quebrou tudo, saindo da vida no meio do sarau. Não ouviu metade do concerto embora tenha organizado toda a programação, agitado os artistas, divulgado o evento, quebrado lanças para sua realização. Sua previsibilidade, que navegava dentro do mais puro entusiasmo, no seio mais doce de impressionante coragem, no meio da indiferença e da descrença, diuturnamente acompanhada por gestos largos e gargalhadas sonoras, está num silêncio que rasga nossa alma de incredulidade.


Tinha que ser assim, como foi? O artista deixar o proscênio num repente, num espanto de remexer os sentimentos, em meio ao personagem iluminado pelo seu talento e sua alegria contagiante?


A vida cobra muito caro do coração que a sustenta, trazendo nas hordas do imponderável o manto da tristeza e a roupagem cênica da tragédia. O Teatro da existência temporal não devia ser assim, com interpretações tão rascantes de tremores, quanto de risos fáceis, nesse palco da vida acortinado pelo contra-regra absoluto, a morte.


Calau Lopes fica espalhafatosamente no coração de Petrópolis, em cujas montanhas ecoarão para todo o sempre sua verve extraordinária, seu talento pela amizade, seu destemor no trato das questões de honra, um de seus bens mais caros e por ele defendido mesmo sob pressões de criaturas humanas que jamais chegariam – nem chegaram e nem chegarão – à sua impressionante vocação para o clímax da interpretação sempre correta, justa, maravilha de sua personalidade que se entregava aos projetos, aos amigos, à Cultura, à Política, ao labor funcional e burocrático, aos sonhos mais elevados que arrancavam de seu peito um entusiasmo que arrasava qualquer vírus da descrença.


A imagem passada por Calau, para mim, era a de um cavaleiro daqueles enlatados das Cruzadas, imponente com seu escudo e lança investindo contra as injustiças, mesmo que, em dados momentos, os moinhos quixotescos não cedessem sob suas arremetidas, em rastros de pureza destemida; quando pedia a palavra, era um Cícero estonteando as cabeças senatoriais do Fórum Romano em suas catilinárias ouvidas pela extensão das grandes platéias sem pios de reprimendas ou contestações; na liça guerreira era Alexandre, o grande ou Júlio César, nos embates das estratégias perfeitas; quando no palco, dominava a cena, prendia as platéias aos seus magníficos personagens; quando administrador, por detrás de burocracias castratórias, não dava a mínima para as legislações furadas, aplicando seu incomensurável bom senso. Calau era o Calau e quem não o conhecia e respeitava?


Estou vendo você, meu amigo, reformulando a Eternidade, promovendo coros de anjos em exibições monumentais, deixando o Criador de barbas mais brancas diante do carrilhão de idéias que leva no espírito resplandecente.


Sei que o destino é o mesmo para todos, mesmo para quem tem mais vida do que a vida exige. É o caso do Calau, que sobrava por ai, em meio a tanta mediocridade e falta de talento. Combatente, ele tentava incutir nas cabeças comodistas dos petropolitanos a chama da vida como deve ser vivida. Em qualquer área de sua atuação ele não admitia recuos e nem retiradas, apenas, é óbvio, as estrategicamente necessárias, porém sob manto seguro de soluções minimisatórias paridas em seu incomparável talento para a lucidez do melhor e mais adequado.


Ainda ouço a sentença preferida do Calau, quando ele esbarrava nas incoerências dos circunstantes, principalmente dos políticos:


- Viajou na maionese! – seguida de gargalhada em sua máscara da vida cênica espalhafatosamente alegre, e um perscrutar de seus olhos mongolisados divisando adiante os infinitos no apoio dos interlocutores.


O que foi isso, Calau, saindo no segundo ato, mesmo ganhando o infinito da platéia e alçando vôo pelas urdiduras da casa de espetáculos? E o palco, de repente, vazio, apagando as luzes e cerrando as cortinas, por que deixá-lo, assim, como foi?


E a sinceridade, o juízo crítico perfeito, a cultura, ah! a cultura - que nutria sua vida de tanta luz, porque terçava idéias, formulava imagens literárias do mais puro engenho, sabia interpretar como viver as mais inusitadas situações?


Onde encontrar um Calau no remanescente que ficou por aqui?


Impossível!


As grandes inteligências não encontram substitutos porque elas ficam no trabalho conquistado, simplesmente ficam na memória histórica, atravessam o reconhecimento vindouro por imortais e sempre alguém recordará que uma brilhante passagem deixa luz e a luz de criaturas humanas, como Calau, jamais se apagará.


Calau é um dos poucos que fica impresso no melhor do presente para o exemplo do futuro.


Você nos deixou viajando na maionese atolada de saudade, tamanha a falta que deixa lacrimada por aqui.

nao creio na partida e acredito ouvi-lo, ve-lo... Será dificil acostumar; esquecer, nunca!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

ATIVIDADES ARTÍSTICAS

TEATRO - UMA PAIXÃO!

Desde 1956 estou no TEATRO. Fui um dos fundadores do Teatro Experimental Petropolitano - TEP - e, desde então, continuo no mesmo grupo cênico, em constante atividade. Integrei o elenco de quase uma centena de peças, dirigi espetáculos, ajudei a levantar cenários, criei maquilagens, cenários, adereços, sempre um autêntico faz-tudo, como todo amador. Escrevi mais de 30 peças entre adultas e infantís, com 50% encenadas, principalmente os textos para o teatro infantil. Os dois sucessos mais recentes de minha dramaturgia são as peças "A Galinha Borralheira" e "Foi o Macaco!", que se encontram montadas e em cartaz. Comigo trabalham meus filhos e minha esposa Shirley, talentosa figurinista, maquiadora e cenarista. As "crianças" Janine, Fernanda e Silvio Rafael atuam no palco, bem como meus netos Erich Christiansen e Julian Dênis. A filha Jacqueline, boa artista, casou e mudou.

Na foto, estou à esquerda, seguido de Fernanda, Silvio Rafael, Felipe Cardoso, Janine e Patricia Ávila, em um ensaio de "Leitura Dramatizada", projeto que o grupo cênico desenvolve junto com a Academia Petropolitana de Letras.

Elenco original da peça "Foi o Macaco!", com em pé: Roberto Perrota, Janine Meirelles e Ronaldo Ramos; estou agachado; ajoelhados: Patrícia Ávila, Erich Christiansen; deitada: Gabriela Ventura; à margem do grupo Julian Dênis.

Protagonistas da peça "A Galinha Borralheira": Gabriela Ventura e Erich Christiansen, espetáculo comemorativo dos 50 anos de fundação do TEP (1956-2006).

Elenco da cortina romântica "Bon Soir Mademoiselle La Lune", em cartaz no TEP: Silvio Rafael, Patrícia Ávila e Gabriela Ventura. Tem sido exibida com agrado em vários espaõs culturais.

Fernanda Meisan no poema dramático "Os Amores de Colombina", encenada com sucesso em diversos espaços culturais do Município de Petrópolis (RJ).

CRÔNICA

O trem da infância.

O trem repleto começa a descer para o Rio de Janeiro. Lá na frente a locomotiva, que todos apelidam de “Maria Fumaça”, produz os ruídos que Manuel Bandeira reproduziu no seu onomatopaico poema “Trem da Serra”.
Eu, refestelado num banco de madeira, trajando terno completo coberto por um guarda-pó caqui, sou a imagem de um viajante europeu. E de segunda a sexta-feira cumpro o mesmo ritual pois moro no alto da cidade serrana de Petrópolis e trabalho na grande metrópole do Rio de Janeiro.
A viagem não é monótona; pelo contrário, com muita sacudidela, altos ruídos de freios em aço, conversações altas dos passageiros e, em determinado ponto da descida, o anotador de bilhetes perfurando os cartões. Na estação de muda, novos personagens vêm compor o cenário.
É preciso explicar esta tal estação de muda. A subida e a descida são difíceis pela declividade acentuada que impede a máquina puxar os vagões na subida ou travá-los na descida. O sistema utilizado para deslocar a composição sobre os trilhos é o da cremalheira, um retentor que corre no meio dos trilhos e que se engata, como roldana, no centro inferior da máquina e dos vagões. Essa subida sob retenção é resfolegante, penosa e vagarosa, o mesmo acontecendo com a descida, freada e tensa. Ao atingir a planície, em terreno de Magé, a composição dispensa a cremalheira e segue balançando sobre os trilhos até chegar à estação de Barão de Mauá, em São Cristóvão, prédio antigo e imponente.
Pois, muito bem, estou no Rio de Janeiro, correndo por suas ruas, pendurando-me em bondes, tudo pelos idos de 40 e 50, no século passado, o tal de XX.
No final do dia, faço o mesmo trajeto, ao inverso. No lugar de descer a serra, a minha “Maria Fumaça” sobe e sobe e sem dispensa da cremalheira.
Chego, tomo o meu banho, janto e vou dormir porque não posso perder o sono ouvindo novelas ou programas humorísticos pelas ondas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Pela manhã tudo se repete, comigo reclamando pela correria, o trem, a descida, o Rio de Janeiro e o retorno rolando serra acima.
Hoje, no meu sonho noturno, já passado meio século, eu viajo pelo mesmo trajeto e fico irritadíssimo quando acordo sem ter a obrigação de fazer tudo de novo, sem trem e sem nada daquilo que era a minha alegria de viver e eu não sabia.


Olhei para todos os lados. A festa estava animada no grande salão. Um bufe distribuía pratos e talheres e cada pessoa fazia o seu prato. Olhava para tudo aquilo e pensava se seria a minha última visão daquele local. Pensava em tudo isso com grande tristeza e acho até que com resignação extrema. Tudo muito exato e condizente com o momento,

MINI-CONTO

DE VOLTA PARA A MISSA DO GALO

Mais ou menos 21 horas. A casa em preparativos para a Ceia de Natal. Falatório animado, nervoso; corre-corre; as mulheres indo e vindo da cozinha para a sala e vice-versa; frituras e assados com cheiros bons; abre e fecha da porta do forno; a geladeira quase permanentemente aberta...
- Fecha a porta da geladeira!
- Olha o consumo de energia!
- Quero todo mundo fora da cozinha! Vocês atrapalham mais do que ajudam!
- Alguém ai passe um pano nos copos e nos talheres!
- Já separaram os guardanapos?
- Onde estão os guardanapos?
- Esqueceram de comprar os guardanapos? Ai, Jesus, e agora?!
- Olha no forno se o peru já está corado...
- Já subiu o pino, está no ponto!
- Tira rápido do forno, senão queima! ... Com um pano senão vai queimar as mãos!
Quase 23 horas e continua a azáfama, porém com a mesa quase completa; um detalhe aqui e outro ali; a garrafa de champanhe ainda na geladeira...
- Todo mundo se aprontando!
- O padre não espera; ele começa a Missa do Galo meia-noite em ponto!
Lá pelas tantas, imagino que dez ou vinte para a meia-noite, saio para a Missa do Galo. Ultrapasso a alta porta com soleira e tudo, desço os degraus que levam à escada externa de cimento, com mais de vinte degraus, atinjo o corredor do quintal, ultrapasso o portão de ferro e subo a rua, tomando a curva pelo lado esquerdo. Passo pelas casas do Seu Adriano e do Seu Muller e sigo rua acima. O caminho eu conheço bem já de mais de uma década percorrê-lo em direção ao Grupo Escolar ou para ir à casa de primos para brincar e, nos domingos, comparecer religiosamente às missas na Capelinha da Terra Santa.
A rua Washington Luís, naquele trecho, não tem mistérios para mim; cada metro eu conheço como a palma da minha mão. Vou subindo, passo pela entrada do beco, onde moram alguns companheiros e colegas e onde morou o Bolão, um rapaz muito gordo que um dia morreu quando descia de bicicleta a ladeira do Centro de Saúde; passo pelas casas da Fábrica São Pedro de Alcântara e atinjo o açude, entrando esquina acima para os altos da rua Rocha Cardoso. Bem na entrada, do lado esquerdo da rua, está a Maçonaria, um prédio em meio a grande terreno, que me mete muito medo. Dizem que é um lugar cheio de mistérios, daí eu seguir adiante olhando de esguelha para o grande triângulo chapado no largo portão de ferro; e bem rapidinho. Passo pela casa onde mora o prefeito Cordolino e sua família e por outra onde residem contra parentes de minha mãe e atinjo a residência do Seu Ribeiro, bem em frente a uma pracinha maltratada que sempre existiu por ali daquele jeito abandonado. Atravesso a rua e estou na capelinha da Terra Santa para onde confluem famílias inteiras, todas muito bem vestidas para a Missa do Galo; algumas paramentadas em roupas novas e gente humilde com seus melhores trajes.
Estou um pouco atrasado. Aliás, fui o primeiro a pedir mais rapidez a todos e ainda foram malcriados:
- Rapidez?! Isso é bom para você que não está fazendo nada!
Entro na igrejinha; está repleta. As crianças internas do Educandário já estão cantando as melodias de sempre e o Padre, solene, inicia o santo sacrifício.
Olho em volta, estão todos lá. As mesmas pessoas de todos os domingos: Mamãe, Papai, Gilda, Ruth, Marilda, Lea e Márcio formam uma fila que ocupa um comprido banco. Claro que eu me integro ao grupo, à minha família. Oramos, ajoelhamos, levantamos, sentamos, comungamos e a cerimônia vai se desenvolvendo. O padre faz o seu sermão, lê o Evangelho da comemoração, despeja orações e invocações em latim, que não entendo; meu pai maneia a cabeça demonstrando estar compreendendo tudo. Também, meu pai, um gênio, não saberia latim?! Ora, claro que sim!
A Missa do Galo chega ao fim, igualzinha à missa dos domingos. Até hoje nunca soube o porquê do nome: Missa do Galo. Lá em casa, por exemplo, temos um pequeno galinheiro e sempre observei que as galinhas dormem a noite toda e não acordam à meia-noite. Ah! e nem os galos cantam tão tarde.
Mas, deixa para lá, são mistérios que ainda desvendarei adiante na vida e até a tal da Maçonaria.
No burburinho da saída, as pessoas vão se cumprimentando:
- Feliz Natal, seu Joaquim!
- Feliz Natal, Dona Maninha!
- Feliz Natal para todos!
- Próspero Ano Novo!
Algumas senhoras mostram os filhos e netos, elogiam os filhos e netos dos outros, trocam gentilezas, sorrisos, apertos de mãos, cumprimentos. A igrejinha conserva as luzes por algum tempo, o suficiente para todos se despedirem e tomarem o rumo de suas casas. Fechada a porta da capela e o portão de ferro do jardim, tudo se esvazia sob a iluminação da rua. Os grupos de pessoas desaparecem nas esquinas da noite, perdendo forma nas curvas das ruas.
Intento descer de volta a Rocha Cardoso junto com minha família. Percebo que estou só. Recordo que havia subido até a igrejinha sem acompanhantes.
O negro da noite é cortado por cantigas de Natal e algumas luzes que vêm de janelas iluminam meu caminho. O clima é de alegria e festa, embora não sinta calor humano e tudo parece estar sufocado pelo ruço que ganha a rua e a tudo enevoa. Não vejo mais a igrejinha, a praça, a casa do seu Ribeiro...
Corro ladeira abaixo, desço uma Washington Luís sem vida e sem cor. Ruço. Ruço. Ruço.
Chego à casa. Está fechada, escura, sem vida, grafitada, abandonada, em ruínas...
Sozinho, recortado no espanto da noite nebulosa, só consigo chorar.

CRÔNICA

SAUDAÇÃO AO MESTRE

Joaquim Eloy Santos
Professor

Era comum vê-lo, no seu passo miúdo e firme, andando pelo centro histórico. Em nenhum instante conseguia dar mais de dez passos porque choviam cumprimentos, tapinhas nas costas e alguns paravam com ele e o papo rolava descontraído com muitas risadas e contagiante alegria.
Era comum vê-lo saudar o amigo, o conhecido, o aluno, mesmo que estivesse na outra mão, do outro lado do riacho; seu sorriso atravessava o espaço físico e seu olhar festivo amainava o próprio ruço se o tempo estivesse fechado.
Era comum vê-lo pensando e idealizando futuros, em tempos de provincianismos bestas, para os quais não dava absolutamente qualquer bola. O seu ser revolucionário entendia a mocidade e seus desdobramentos e sabia como trabalhar os anseios de cada um, deitando no seio da vida coletiva a solução da intimidade conflituosa da juventude.
O mestre, o professor, o formador à frente, não se preocupava com desesperadas pecúnias, desejando apenas ser um guia de caminhos, um seguidor de trilhas, um eterno menino desafiando os perigosos estribos dos bondes, para nunca perder o próprio bonde da história.
Coisa, certamente, que não perdeu jamais porque os alunos que ensinou, preparou, acolheu, segurou com braço forte, estão hoje em orfandade, embora vitoriosos em seus fazeres, sob lembranças felizes, ensinamentos corretos e a certeza de vitoriosa vida pela frente.
Era comum vê-lo com seu elegante ensino de português e literatura, somado a tantos outros conhecimentos, dentre os quais, o faro pedagógico brilhante na inteligente soma de ousadias que embalou todas as suas ações de formador da juventude. Falassem, dissessem o que quisessem; nada o tirava do objetivo de educador pronto para séculos vindouros. Em tempos de revolução das técnicas, foi ele o maior de todos os revolucionários, empregando suas teorias, que batiam com o corrente uso, mas possuíam embasamento nos maiores mestres da pedagogia e que, a muitos deles, ultrapassava na praticidade fabulosa da ação.
Era comum vê-lo agarrar as bochechas de seus discípulos em carinhosas ferroadas, que não doíam porque suas mãos eram de esperança, nunca de caos ou deitadas ao negativismo.
O mestre, o professor, o formador à frente, com seu colégio inovador, sua didática alegre e responsável, era de bela e honrada família radicada em Petrópolis, orgulhava-se do pai, uma presença petropolitana marcante na “belle-epoque”, com a mesma calva, o mesmo porte, a mesma contagiante alegria, a soberba inteligência.
Coisa, certamente, não fadada para qualquer um, carro chefe apenas de mentes e corações brilhantes. E tudo estava sintetizado no mestre Geraldo.
Geraldo José Werneck de Carvalho, comum pessoa, cidadão prestante, professor e educador com P maiúsculo, cuja alegria, carinho e amor fará muita falta, muita mesmo, além da conta, porque era comum vê-lo sempre amigo sincero e real, em um mundo egoísta e cruel. Ele sobrava por aqui tanto que resolveu ir embora antes do fim do mundo das profecias.
Só que deixou a gente, por ai, sem ele para animar a vida.
Comum será, doravante, vê-lo na lembrança, no recordar de sua existência, nas trilhas que deixou para todos que amou e formou.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

POEMAS MEUS

NO "POEIRA"

Ah! bandidos e mocinhos,

seriados da infância!

Ah! meus lindos amiguinhos

que ficaram na distância.

Que ficaram na distância

da minha vida pura e bela.

anseios da minha infância,

ah! não volto mais a ela!

Ah! não volto mais a ela.

linda fase que passou,

tão pura e tão singela,

o que dela me ficou?

O que dela me ficou:

o faroeste da vida;

o seriado acabou,

hoje é outra minha lida.

Hoje é outra minha lida

sem toda aquela esperança,

não tem mocinha querida

com espírito de criança.

Com espírito de criança

relembro aqueles "balões",

no "saloon" aquela dança

da briga dos valentões.

Da briga dos valentões

emergia um final.

alegres os corações:

vencia o bem contra o mal.

Vencia o bem contra o mal,

era exemplo e lição.

o mocinho triunfal

ninguém derrotava não.

Ninguém derrotava não

do mocinho a jactância

que prendia o vilão.

Essa era minha ânsia

Essa era a minha ânsia

da vida mais pura e bela,

anseios da minha infância,

ah! não volto mais a ela...

MENSAGEM FINAL

Vergastadas rompendo carnes

No rito cruel do ódio

São agulhas perfurantes

Lancinantes dores cruas

Desta vida que eu vivo

Sem cuidados, nem amores...

Se a vida é sofrimento

Se a morte é o resultado

Desse viver melancólico

Que morra a humanidade

E carregue minha alma

Para o nada que ela é

Deixando riscos na aurora

Fragmentos no pó da terra

Sentimentos nas páginas belas

E todo o ódio do mundo

Nos rotos dentes dos ratos

Dos quais sou melhor repasto

Se a vida me abandonou.

De onde estou eu remeto

A derradeira mensagem

Intransmissível em palavras

Incompreensível em gestos

Vazia, no caos profundo

No fim de tudo e de todos.

PLANTÃO PERMANENTE

Quem se incomoda com o morro

E sua gente arquivada

Nas gavetas piramidais

Que arranham nuvens cinzentas?

Que sentimentos humanos,

Que almas despreparadas

Para a vida e para a morte

Vivem nos catres de lodo?

As sarjetas luminam o céu

E trazem a lua ao esgoto

Que reflete nossa alma

E todos os perdigotos

Com sua halitosidade,

Abandonando a boca

De dentes que são cloacas.

Nos corpos amontoados

nos barracos de lata e lixo

existem almas e vidas

cercadas de esperanças,

de balas de chumbo e ódio,

de bandidos impiedosos,

de mães que parem seus filhos

em puberdades sofridas,

homens deitados em bares

bebendo insensatez,

crianças rasgadas de vida

nos farrapos da má sorte.

Escolas ameaçadas

Alunos devoradores

Das merendas da caridade.

Nas casas a cesta básica

Mercadoria que compra

A cachaça e a maconha.

Salário isso e aquilo

Projetos, promessas vãs

Formam o caldeirão

Do que melhor alimenta

O político de plantão.