sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

ATIVIDADES ARTÍSTICAS

TEATRO - UMA PAIXÃO!

Desde 1956 estou no TEATRO. Fui um dos fundadores do Teatro Experimental Petropolitano - TEP - e, desde então, continuo no mesmo grupo cênico, em constante atividade. Integrei o elenco de quase uma centena de peças, dirigi espetáculos, ajudei a levantar cenários, criei maquilagens, cenários, adereços, sempre um autêntico faz-tudo, como todo amador. Escrevi mais de 30 peças entre adultas e infantís, com 50% encenadas, principalmente os textos para o teatro infantil. Os dois sucessos mais recentes de minha dramaturgia são as peças "A Galinha Borralheira" e "Foi o Macaco!", que se encontram montadas e em cartaz. Comigo trabalham meus filhos e minha esposa Shirley, talentosa figurinista, maquiadora e cenarista. As "crianças" Janine, Fernanda e Silvio Rafael atuam no palco, bem como meus netos Erich Christiansen e Julian Dênis. A filha Jacqueline, boa artista, casou e mudou.

Na foto, estou à esquerda, seguido de Fernanda, Silvio Rafael, Felipe Cardoso, Janine e Patricia Ávila, em um ensaio de "Leitura Dramatizada", projeto que o grupo cênico desenvolve junto com a Academia Petropolitana de Letras.

Elenco original da peça "Foi o Macaco!", com em pé: Roberto Perrota, Janine Meirelles e Ronaldo Ramos; estou agachado; ajoelhados: Patrícia Ávila, Erich Christiansen; deitada: Gabriela Ventura; à margem do grupo Julian Dênis.

Protagonistas da peça "A Galinha Borralheira": Gabriela Ventura e Erich Christiansen, espetáculo comemorativo dos 50 anos de fundação do TEP (1956-2006).

Elenco da cortina romântica "Bon Soir Mademoiselle La Lune", em cartaz no TEP: Silvio Rafael, Patrícia Ávila e Gabriela Ventura. Tem sido exibida com agrado em vários espaõs culturais.

Fernanda Meisan no poema dramático "Os Amores de Colombina", encenada com sucesso em diversos espaços culturais do Município de Petrópolis (RJ).

CRÔNICA

O trem da infância.

O trem repleto começa a descer para o Rio de Janeiro. Lá na frente a locomotiva, que todos apelidam de “Maria Fumaça”, produz os ruídos que Manuel Bandeira reproduziu no seu onomatopaico poema “Trem da Serra”.
Eu, refestelado num banco de madeira, trajando terno completo coberto por um guarda-pó caqui, sou a imagem de um viajante europeu. E de segunda a sexta-feira cumpro o mesmo ritual pois moro no alto da cidade serrana de Petrópolis e trabalho na grande metrópole do Rio de Janeiro.
A viagem não é monótona; pelo contrário, com muita sacudidela, altos ruídos de freios em aço, conversações altas dos passageiros e, em determinado ponto da descida, o anotador de bilhetes perfurando os cartões. Na estação de muda, novos personagens vêm compor o cenário.
É preciso explicar esta tal estação de muda. A subida e a descida são difíceis pela declividade acentuada que impede a máquina puxar os vagões na subida ou travá-los na descida. O sistema utilizado para deslocar a composição sobre os trilhos é o da cremalheira, um retentor que corre no meio dos trilhos e que se engata, como roldana, no centro inferior da máquina e dos vagões. Essa subida sob retenção é resfolegante, penosa e vagarosa, o mesmo acontecendo com a descida, freada e tensa. Ao atingir a planície, em terreno de Magé, a composição dispensa a cremalheira e segue balançando sobre os trilhos até chegar à estação de Barão de Mauá, em São Cristóvão, prédio antigo e imponente.
Pois, muito bem, estou no Rio de Janeiro, correndo por suas ruas, pendurando-me em bondes, tudo pelos idos de 40 e 50, no século passado, o tal de XX.
No final do dia, faço o mesmo trajeto, ao inverso. No lugar de descer a serra, a minha “Maria Fumaça” sobe e sobe e sem dispensa da cremalheira.
Chego, tomo o meu banho, janto e vou dormir porque não posso perder o sono ouvindo novelas ou programas humorísticos pelas ondas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Pela manhã tudo se repete, comigo reclamando pela correria, o trem, a descida, o Rio de Janeiro e o retorno rolando serra acima.
Hoje, no meu sonho noturno, já passado meio século, eu viajo pelo mesmo trajeto e fico irritadíssimo quando acordo sem ter a obrigação de fazer tudo de novo, sem trem e sem nada daquilo que era a minha alegria de viver e eu não sabia.


Olhei para todos os lados. A festa estava animada no grande salão. Um bufe distribuía pratos e talheres e cada pessoa fazia o seu prato. Olhava para tudo aquilo e pensava se seria a minha última visão daquele local. Pensava em tudo isso com grande tristeza e acho até que com resignação extrema. Tudo muito exato e condizente com o momento,

MINI-CONTO

DE VOLTA PARA A MISSA DO GALO

Mais ou menos 21 horas. A casa em preparativos para a Ceia de Natal. Falatório animado, nervoso; corre-corre; as mulheres indo e vindo da cozinha para a sala e vice-versa; frituras e assados com cheiros bons; abre e fecha da porta do forno; a geladeira quase permanentemente aberta...
- Fecha a porta da geladeira!
- Olha o consumo de energia!
- Quero todo mundo fora da cozinha! Vocês atrapalham mais do que ajudam!
- Alguém ai passe um pano nos copos e nos talheres!
- Já separaram os guardanapos?
- Onde estão os guardanapos?
- Esqueceram de comprar os guardanapos? Ai, Jesus, e agora?!
- Olha no forno se o peru já está corado...
- Já subiu o pino, está no ponto!
- Tira rápido do forno, senão queima! ... Com um pano senão vai queimar as mãos!
Quase 23 horas e continua a azáfama, porém com a mesa quase completa; um detalhe aqui e outro ali; a garrafa de champanhe ainda na geladeira...
- Todo mundo se aprontando!
- O padre não espera; ele começa a Missa do Galo meia-noite em ponto!
Lá pelas tantas, imagino que dez ou vinte para a meia-noite, saio para a Missa do Galo. Ultrapasso a alta porta com soleira e tudo, desço os degraus que levam à escada externa de cimento, com mais de vinte degraus, atinjo o corredor do quintal, ultrapasso o portão de ferro e subo a rua, tomando a curva pelo lado esquerdo. Passo pelas casas do Seu Adriano e do Seu Muller e sigo rua acima. O caminho eu conheço bem já de mais de uma década percorrê-lo em direção ao Grupo Escolar ou para ir à casa de primos para brincar e, nos domingos, comparecer religiosamente às missas na Capelinha da Terra Santa.
A rua Washington Luís, naquele trecho, não tem mistérios para mim; cada metro eu conheço como a palma da minha mão. Vou subindo, passo pela entrada do beco, onde moram alguns companheiros e colegas e onde morou o Bolão, um rapaz muito gordo que um dia morreu quando descia de bicicleta a ladeira do Centro de Saúde; passo pelas casas da Fábrica São Pedro de Alcântara e atinjo o açude, entrando esquina acima para os altos da rua Rocha Cardoso. Bem na entrada, do lado esquerdo da rua, está a Maçonaria, um prédio em meio a grande terreno, que me mete muito medo. Dizem que é um lugar cheio de mistérios, daí eu seguir adiante olhando de esguelha para o grande triângulo chapado no largo portão de ferro; e bem rapidinho. Passo pela casa onde mora o prefeito Cordolino e sua família e por outra onde residem contra parentes de minha mãe e atinjo a residência do Seu Ribeiro, bem em frente a uma pracinha maltratada que sempre existiu por ali daquele jeito abandonado. Atravesso a rua e estou na capelinha da Terra Santa para onde confluem famílias inteiras, todas muito bem vestidas para a Missa do Galo; algumas paramentadas em roupas novas e gente humilde com seus melhores trajes.
Estou um pouco atrasado. Aliás, fui o primeiro a pedir mais rapidez a todos e ainda foram malcriados:
- Rapidez?! Isso é bom para você que não está fazendo nada!
Entro na igrejinha; está repleta. As crianças internas do Educandário já estão cantando as melodias de sempre e o Padre, solene, inicia o santo sacrifício.
Olho em volta, estão todos lá. As mesmas pessoas de todos os domingos: Mamãe, Papai, Gilda, Ruth, Marilda, Lea e Márcio formam uma fila que ocupa um comprido banco. Claro que eu me integro ao grupo, à minha família. Oramos, ajoelhamos, levantamos, sentamos, comungamos e a cerimônia vai se desenvolvendo. O padre faz o seu sermão, lê o Evangelho da comemoração, despeja orações e invocações em latim, que não entendo; meu pai maneia a cabeça demonstrando estar compreendendo tudo. Também, meu pai, um gênio, não saberia latim?! Ora, claro que sim!
A Missa do Galo chega ao fim, igualzinha à missa dos domingos. Até hoje nunca soube o porquê do nome: Missa do Galo. Lá em casa, por exemplo, temos um pequeno galinheiro e sempre observei que as galinhas dormem a noite toda e não acordam à meia-noite. Ah! e nem os galos cantam tão tarde.
Mas, deixa para lá, são mistérios que ainda desvendarei adiante na vida e até a tal da Maçonaria.
No burburinho da saída, as pessoas vão se cumprimentando:
- Feliz Natal, seu Joaquim!
- Feliz Natal, Dona Maninha!
- Feliz Natal para todos!
- Próspero Ano Novo!
Algumas senhoras mostram os filhos e netos, elogiam os filhos e netos dos outros, trocam gentilezas, sorrisos, apertos de mãos, cumprimentos. A igrejinha conserva as luzes por algum tempo, o suficiente para todos se despedirem e tomarem o rumo de suas casas. Fechada a porta da capela e o portão de ferro do jardim, tudo se esvazia sob a iluminação da rua. Os grupos de pessoas desaparecem nas esquinas da noite, perdendo forma nas curvas das ruas.
Intento descer de volta a Rocha Cardoso junto com minha família. Percebo que estou só. Recordo que havia subido até a igrejinha sem acompanhantes.
O negro da noite é cortado por cantigas de Natal e algumas luzes que vêm de janelas iluminam meu caminho. O clima é de alegria e festa, embora não sinta calor humano e tudo parece estar sufocado pelo ruço que ganha a rua e a tudo enevoa. Não vejo mais a igrejinha, a praça, a casa do seu Ribeiro...
Corro ladeira abaixo, desço uma Washington Luís sem vida e sem cor. Ruço. Ruço. Ruço.
Chego à casa. Está fechada, escura, sem vida, grafitada, abandonada, em ruínas...
Sozinho, recortado no espanto da noite nebulosa, só consigo chorar.

CRÔNICA

SAUDAÇÃO AO MESTRE

Joaquim Eloy Santos
Professor

Era comum vê-lo, no seu passo miúdo e firme, andando pelo centro histórico. Em nenhum instante conseguia dar mais de dez passos porque choviam cumprimentos, tapinhas nas costas e alguns paravam com ele e o papo rolava descontraído com muitas risadas e contagiante alegria.
Era comum vê-lo saudar o amigo, o conhecido, o aluno, mesmo que estivesse na outra mão, do outro lado do riacho; seu sorriso atravessava o espaço físico e seu olhar festivo amainava o próprio ruço se o tempo estivesse fechado.
Era comum vê-lo pensando e idealizando futuros, em tempos de provincianismos bestas, para os quais não dava absolutamente qualquer bola. O seu ser revolucionário entendia a mocidade e seus desdobramentos e sabia como trabalhar os anseios de cada um, deitando no seio da vida coletiva a solução da intimidade conflituosa da juventude.
O mestre, o professor, o formador à frente, não se preocupava com desesperadas pecúnias, desejando apenas ser um guia de caminhos, um seguidor de trilhas, um eterno menino desafiando os perigosos estribos dos bondes, para nunca perder o próprio bonde da história.
Coisa, certamente, que não perdeu jamais porque os alunos que ensinou, preparou, acolheu, segurou com braço forte, estão hoje em orfandade, embora vitoriosos em seus fazeres, sob lembranças felizes, ensinamentos corretos e a certeza de vitoriosa vida pela frente.
Era comum vê-lo com seu elegante ensino de português e literatura, somado a tantos outros conhecimentos, dentre os quais, o faro pedagógico brilhante na inteligente soma de ousadias que embalou todas as suas ações de formador da juventude. Falassem, dissessem o que quisessem; nada o tirava do objetivo de educador pronto para séculos vindouros. Em tempos de revolução das técnicas, foi ele o maior de todos os revolucionários, empregando suas teorias, que batiam com o corrente uso, mas possuíam embasamento nos maiores mestres da pedagogia e que, a muitos deles, ultrapassava na praticidade fabulosa da ação.
Era comum vê-lo agarrar as bochechas de seus discípulos em carinhosas ferroadas, que não doíam porque suas mãos eram de esperança, nunca de caos ou deitadas ao negativismo.
O mestre, o professor, o formador à frente, com seu colégio inovador, sua didática alegre e responsável, era de bela e honrada família radicada em Petrópolis, orgulhava-se do pai, uma presença petropolitana marcante na “belle-epoque”, com a mesma calva, o mesmo porte, a mesma contagiante alegria, a soberba inteligência.
Coisa, certamente, não fadada para qualquer um, carro chefe apenas de mentes e corações brilhantes. E tudo estava sintetizado no mestre Geraldo.
Geraldo José Werneck de Carvalho, comum pessoa, cidadão prestante, professor e educador com P maiúsculo, cuja alegria, carinho e amor fará muita falta, muita mesmo, além da conta, porque era comum vê-lo sempre amigo sincero e real, em um mundo egoísta e cruel. Ele sobrava por aqui tanto que resolveu ir embora antes do fim do mundo das profecias.
Só que deixou a gente, por ai, sem ele para animar a vida.
Comum será, doravante, vê-lo na lembrança, no recordar de sua existência, nas trilhas que deixou para todos que amou e formou.