sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

CRÔNICA

O trem da infância.

O trem repleto começa a descer para o Rio de Janeiro. Lá na frente a locomotiva, que todos apelidam de “Maria Fumaça”, produz os ruídos que Manuel Bandeira reproduziu no seu onomatopaico poema “Trem da Serra”.
Eu, refestelado num banco de madeira, trajando terno completo coberto por um guarda-pó caqui, sou a imagem de um viajante europeu. E de segunda a sexta-feira cumpro o mesmo ritual pois moro no alto da cidade serrana de Petrópolis e trabalho na grande metrópole do Rio de Janeiro.
A viagem não é monótona; pelo contrário, com muita sacudidela, altos ruídos de freios em aço, conversações altas dos passageiros e, em determinado ponto da descida, o anotador de bilhetes perfurando os cartões. Na estação de muda, novos personagens vêm compor o cenário.
É preciso explicar esta tal estação de muda. A subida e a descida são difíceis pela declividade acentuada que impede a máquina puxar os vagões na subida ou travá-los na descida. O sistema utilizado para deslocar a composição sobre os trilhos é o da cremalheira, um retentor que corre no meio dos trilhos e que se engata, como roldana, no centro inferior da máquina e dos vagões. Essa subida sob retenção é resfolegante, penosa e vagarosa, o mesmo acontecendo com a descida, freada e tensa. Ao atingir a planície, em terreno de Magé, a composição dispensa a cremalheira e segue balançando sobre os trilhos até chegar à estação de Barão de Mauá, em São Cristóvão, prédio antigo e imponente.
Pois, muito bem, estou no Rio de Janeiro, correndo por suas ruas, pendurando-me em bondes, tudo pelos idos de 40 e 50, no século passado, o tal de XX.
No final do dia, faço o mesmo trajeto, ao inverso. No lugar de descer a serra, a minha “Maria Fumaça” sobe e sobe e sem dispensa da cremalheira.
Chego, tomo o meu banho, janto e vou dormir porque não posso perder o sono ouvindo novelas ou programas humorísticos pelas ondas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Pela manhã tudo se repete, comigo reclamando pela correria, o trem, a descida, o Rio de Janeiro e o retorno rolando serra acima.
Hoje, no meu sonho noturno, já passado meio século, eu viajo pelo mesmo trajeto e fico irritadíssimo quando acordo sem ter a obrigação de fazer tudo de novo, sem trem e sem nada daquilo que era a minha alegria de viver e eu não sabia.


Olhei para todos os lados. A festa estava animada no grande salão. Um bufe distribuía pratos e talheres e cada pessoa fazia o seu prato. Olhava para tudo aquilo e pensava se seria a minha última visão daquele local. Pensava em tudo isso com grande tristeza e acho até que com resignação extrema. Tudo muito exato e condizente com o momento,

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