quarta-feira, 19 de maio de 2010

HOMENAGEM A AGENOR COSTA

NA BELEZA DO INFINITO

Joaquim Eloy Santos

Lugar de artista é no Céu. Não tenho dúvida disso porque é o artista que ilumina a vida e floreia o sonho. Quando o artista é cantor de talento e caixa, a entrada no Céu é imediata e logo a confraria dos sonhadores idealistas vai crescendo e iluminando o firmamento.

Repórter sonhador, vi em filme do meu pensamento, a chegada do seresteiro Agenor Costa ao Céu. Presente sua irreverência, dialoga com São Pedro e faz questão de entrar em serenata. Abre a voz possante, diante do portão celestial, alertando o Guardião sobre sua chegada. O primeiro Papa, posto em sossego, assusta-se com o vozeirão, entreabre o portão e pede silêncio ao novo hóspede:

- Psiu... Mais baixo, Agenor! Assim você acorda o Céu inteiro! – São Pedro vem cheio de dedos.

- Santidade, se entrar calado, não sou o Agenor Costa! – o sorriso amplo fala pelo seresteiro.

- Acontece, seu Agenor, que o céu já tem artistas demais e todos querem mostrar suas habilidades... – São Pedro preocupado.

- Ora, Eminência Celeste, só entro no céu cantando, se cantei a vida inteira! – insiste o menestrel jovial.

- Certo, seu Agenor, mas desce o tom da voz – São Pedro decide, e pronto! Pronto nada!...

- Descer o quê, Apóstolo Guardião, minha voz é um trovão! – Agenor insiste: Só entro no céu cantando.

- E, senhor cantor, quem disse que o senhor irá entrar no Céu? – é bem claro o Guardião.

- Ué, São Pedro, pois não estou à porta do Céu!? – admira-se o cantor.

- Está, mas quem decide isso sou eu... E a porta do fogaréu é bem aqui ao lado – esclarece o primeiro Papa.

- Ah!, senhor Papa, sei que meu lugar é ai dentro, eu só trouxe felicidade, cantei as alegrias e tristezas e, até, enfeitei a morte de tanta gente com obras artísticas em mármore! – é enfático e claro o currículo do seresteiro.

- Sim, sim, seu lugar é no Céu para cantar e alegrar a monotonia do Paraíso Celeste! – argumenta São Pedro.

- Então, meu amigo, abra a porta que engreno uma seresta! – está disposto Agenor Costa para a nova platéia.

- Está bem, seresteiro e cantor maravilhoso, abra os peitos e entra! – o largo portão abre de par em par.

- Com licença, meu santo e vamos lá! – sorriso e garganta límpida, a seresta penetra no Céu, com vozeirão e tudo.

- Ai, meu Senhor Deus, quem segura o homem!? – diz o Guardião e entra cantando com Agenor.

- “Eu sonhei que tu estavas tão linda / numa festa de raro esplendor... – e lá vão os dois Céu adentro, enquanto todos os astros os seguem em coro celestial, cantando em serenata, a chegada de Agenor Costa na beleza do Infinito de Deus.

domingo, 2 de maio de 2010

MINHA HOMENAGEM AO CALAU.

Procurei idealizar um retrato do grande amigo, falecido no colapso do mês de abril de 2010.

Ainda

AQUELE QUE FICA


Joaquim Eloy Santos



Olha ai, Calau, em que prebenda você meteu a todos! E a Petrópolis! E à Cultura! Você sempre foi previsível dentro do imprevisível da vida. Agora quebrou tudo, saindo da vida no meio do sarau. Não ouviu metade do concerto embora tenha organizado toda a programação, agitado os artistas, divulgado o evento, quebrado lanças para sua realização. Sua previsibilidade, que navegava dentro do mais puro entusiasmo, no seio mais doce de impressionante coragem, no meio da indiferença e da descrença, diuturnamente acompanhada por gestos largos e gargalhadas sonoras, está num silêncio que rasga nossa alma de incredulidade.


Tinha que ser assim, como foi? O artista deixar o proscênio num repente, num espanto de remexer os sentimentos, em meio ao personagem iluminado pelo seu talento e sua alegria contagiante?


A vida cobra muito caro do coração que a sustenta, trazendo nas hordas do imponderável o manto da tristeza e a roupagem cênica da tragédia. O Teatro da existência temporal não devia ser assim, com interpretações tão rascantes de tremores, quanto de risos fáceis, nesse palco da vida acortinado pelo contra-regra absoluto, a morte.


Calau Lopes fica espalhafatosamente no coração de Petrópolis, em cujas montanhas ecoarão para todo o sempre sua verve extraordinária, seu talento pela amizade, seu destemor no trato das questões de honra, um de seus bens mais caros e por ele defendido mesmo sob pressões de criaturas humanas que jamais chegariam – nem chegaram e nem chegarão – à sua impressionante vocação para o clímax da interpretação sempre correta, justa, maravilha de sua personalidade que se entregava aos projetos, aos amigos, à Cultura, à Política, ao labor funcional e burocrático, aos sonhos mais elevados que arrancavam de seu peito um entusiasmo que arrasava qualquer vírus da descrença.


A imagem passada por Calau, para mim, era a de um cavaleiro daqueles enlatados das Cruzadas, imponente com seu escudo e lança investindo contra as injustiças, mesmo que, em dados momentos, os moinhos quixotescos não cedessem sob suas arremetidas, em rastros de pureza destemida; quando pedia a palavra, era um Cícero estonteando as cabeças senatoriais do Fórum Romano em suas catilinárias ouvidas pela extensão das grandes platéias sem pios de reprimendas ou contestações; na liça guerreira era Alexandre, o grande ou Júlio César, nos embates das estratégias perfeitas; quando no palco, dominava a cena, prendia as platéias aos seus magníficos personagens; quando administrador, por detrás de burocracias castratórias, não dava a mínima para as legislações furadas, aplicando seu incomensurável bom senso. Calau era o Calau e quem não o conhecia e respeitava?


Estou vendo você, meu amigo, reformulando a Eternidade, promovendo coros de anjos em exibições monumentais, deixando o Criador de barbas mais brancas diante do carrilhão de idéias que leva no espírito resplandecente.


Sei que o destino é o mesmo para todos, mesmo para quem tem mais vida do que a vida exige. É o caso do Calau, que sobrava por ai, em meio a tanta mediocridade e falta de talento. Combatente, ele tentava incutir nas cabeças comodistas dos petropolitanos a chama da vida como deve ser vivida. Em qualquer área de sua atuação ele não admitia recuos e nem retiradas, apenas, é óbvio, as estrategicamente necessárias, porém sob manto seguro de soluções minimisatórias paridas em seu incomparável talento para a lucidez do melhor e mais adequado.


Ainda ouço a sentença preferida do Calau, quando ele esbarrava nas incoerências dos circunstantes, principalmente dos políticos:


- Viajou na maionese! – seguida de gargalhada em sua máscara da vida cênica espalhafatosamente alegre, e um perscrutar de seus olhos mongolisados divisando adiante os infinitos no apoio dos interlocutores.


O que foi isso, Calau, saindo no segundo ato, mesmo ganhando o infinito da platéia e alçando vôo pelas urdiduras da casa de espetáculos? E o palco, de repente, vazio, apagando as luzes e cerrando as cortinas, por que deixá-lo, assim, como foi?


E a sinceridade, o juízo crítico perfeito, a cultura, ah! a cultura - que nutria sua vida de tanta luz, porque terçava idéias, formulava imagens literárias do mais puro engenho, sabia interpretar como viver as mais inusitadas situações?


Onde encontrar um Calau no remanescente que ficou por aqui?


Impossível!


As grandes inteligências não encontram substitutos porque elas ficam no trabalho conquistado, simplesmente ficam na memória histórica, atravessam o reconhecimento vindouro por imortais e sempre alguém recordará que uma brilhante passagem deixa luz e a luz de criaturas humanas, como Calau, jamais se apagará.


Calau é um dos poucos que fica impresso no melhor do presente para o exemplo do futuro.


Você nos deixou viajando na maionese atolada de saudade, tamanha a falta que deixa lacrimada por aqui.

nao creio na partida e acredito ouvi-lo, ve-lo... Será dificil acostumar; esquecer, nunca!